Mas num ano que se avizinha difícil e
com situações complexas à espreita, há mudanças internas que podem ajudar a
lidar com as contrariedades e revolucionar a forma como vemos o mundo. Talvez
este seja o momento oportuno para as pessoas entenderem as suas próprias vivências
como parte de uma experiência humana maior e não como algo isolado do mundo e,
ao mesmo tempo, terem uma atitude de aceitação com os próprios pensamentos e
sentimentos dolorosos, sem se identificarem em demasia com os mesmos, reforçando
a capacidade para serem amáveis consigo próprios, em vez de duros e
auto-críticos.
Como meio para obter tais efeitos
sugerimos a compaixão, processo complexo e multifacetado de cura que, segundo a
perspectiva budista, permite cumprir o desejo de libertação do sofrimento.
Na teoria, a compaixão marca a vida das
crianças desde muito cedo, pela mão de um sistema baseado na afectuosidade e
num conjunto de sinais de cuidado e investimento (ex: toque, expressões faciais)
proporcionado pelos pais, através da partilha de afecto positivo que estimula o
gostar e os sentimentos de ligação, e as faz sentir pessoas merecedoras de
amor. Parece-nos, sem dúvida, um bom modelo de cuidar e por isso seguimo-lo no
Centro Social e Paroquial de Revelhe, mas a sua validade deveria garantir-lhe espaço
em qualquer seio familiar.
Sabemos que a relação com o outro proporciona
às crianças a aprendizagem de modelos de relacionamento que serão usados a nível interno, na relação consigo mesmas, e que os modelos familiares trazidos por
aqueles que acolhemos não são os mais saudáveis, apresentando estas crianças e
jovens níveis mais baixos de auto-compaixão, mais elevados de auto-criticismo e
dificuldade em manter um estado emocional equilibrado.
No Centro, pretendemos que tenham
contacto com o modelo da auto-compaixão para que o possam interiorizar. Desta
forma, promovemos através da compaixão a compreensão empática e aceitadora das
emoções das crianças e jovens, o que facilita a validação das mesmas, sempre
apoiados nos dados que indicam que a compaixão tem efeitos benéficos ao nível
do funcionamento psicológico adaptativo. No fundo, ambicionamos que a nossa
compaixão promova naqueles com quem trabalhamos sentimentos auto-compassivos,
por meio da observação e da experiência, e esta lhes permita ter uma consciência
equilibrada das próprias emoções e os ajude a promover a transformação dos
afectos negativos em estados emocionais mais positivos, e também a procurar
identificar o que mantém os estados negativos para gerar um conjunto de acções
que os modifique. De facto, não se pretende uma fuga dos sentimentos dolorosos,
nem o evitamento dos mesmos, mas uma estratégia de regulação emocional que os
perspective de uma forma consciente, com amabilidade, compreensão e um sentido
de humanidade partilhada, pois não podemos esquecer que o sofrimento é intrínseco
à condição humana e por isso vivenciado por todos os seres, em diferentes graus
e por diferentes causas. Convém ainda não confundir a auto-compaixão com o
conceito de auto-estima e com as características a si inerentes. Não trabalhamos
a auto-estima procuramos antes que as áreas mais fracas do jovem sejam
reconhecidas, sem as julgar, de forma a realizar mudanças positivas e que os
erros sejam identificados, para que se possa tentar corrigí-los, mantendo
sempre a responsabilidade pessoal sem deixar de ser compreensível e amável com
ele mesmo.
Todos nós, enquanto adultos, temos de
ter sempre presente que somos modelos para as crianças e jovens com os quais
convivemos e que quando demonstramos compaixão, eles observam-na e apreendem-na,
e tornam-se pessoas mais generosas, gratas e indulgentes. Detemos por isso o
dever, cuidadores que somos, de cultivar a compaixão em nós e ao sermos
compassivos, cultivá-la também nos outros, para que a aceitação sem julgamento
ou comparações seja atitude constante e a gentileza marque a nossa a relação
interna e aquela que mantemos com os que nos rodeiam, sem nunca esquecer que o
primeiro passo para mudarmos o mundo é querermos que haja metamorfose em nós.
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